Aquarela do Brasil 2.0

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Exilado, voava do futuro assobiando um réquiem.

Planava pelos desertos do esquecimento

Sentindo uma saudade intensa,

Que, de tão grande, curvava o espaço e o tempo.

Uma saudade não sei de quê, não sei de quem.

Deve ser efeito do exílio prolongado.

 

E na jornada de retorno,

Deparo com a Aniquilação,

Como a encarnação da sedução,

Esbanjando simpatia, docilidade e alegria,

Pronta para setenciar o fim dos loucos,

Da vertigem, do vôo e da ousadia.

 

A celebrar em êxtase a vitória dos simplórios,

A vitória da classe média endividada,

Perambulo feito zumbi no shopping center, noite e dia.

Perseguindo, no vazio da virgindade existencial,

Uma diversão que jamais sacia.

 

Acolhendo, em Seu seio,

Playboys agrobregas a desfilar pelos rodeios,

Arraiais e micaretas, caçando a língua da periguetes de abada,

Que coisa louca!

Transformando um contato exclusivo numa olimpíada de beijos,

Colecionando triunfantes, bactérias herpes e desejos,

Como troféus no céu da boca.

 

A abençoar intelectuais, empanturrados de propinas

Com suas ideologias fossilizadas, um monte de vaselina…

Impondo goela a baixo um nacionalismo barato para universitários otários

Regurgitarem pastiches viciados, repletos de vaidade imerecida,

Ao som das mais horrorosas canções que ouvi na vida,

Ao balanço dos mais grotescos rebolados.

 

Com a santa ignorância dos que defendem, cegos suas teses

Acobertando num silencio um tanto cínico, aloprados e bandidos

De um governo cheio de reveses,

Catequizando suas verdades imutáveis e eternas,

A patrulhar, ameaçar, comprar, reprimir (quando não, simonalizar)

Todos aqueles que não se alinharam

Nessa patuscada triste que eles mesmos inventaram:

A Inveja da Pobreza. A cartilha do bom brasileiro.

 

A terraplanagem é por baixo e a laje é o limite, companheiro!

Para o inferno, vocês, proprietários dessas verdades de merda.

Fascismo não é monopólio da direita nem da esquerda.

Fascismo é imposição inflexível e truculenta de verdades sacralizadas,

Geralmente por bem-intencionados perpetradas.

Estou farto de bem-intencionados. Além de nocivos, são cafonas.

 

E o Sol exibia uma crista vermelha de fogo,

Como se tivesse extraído todo o sangue dos penhascos do mundo

me levando no seu calor a rasgar o ar fazendo o vento soprar

meus farrapos alados, para além de qualquer segurança,

e, das alturas, mergulhar no abismo da garganta mais profunda

à procura da face perdida da esperança.

 

Você é dependente de ideias pré-fabricadas,

patrocinadas por um bando de salafrários autoindulgentes.

Você é um faminto de misérias embelezadas

que se alimenta de migalhas, a você atiradas

como um animal domesticado,

abanando o rabo, agradecido e contente.

 

Você faz parte de um rebanho de presas fáceis

repletas de sonhos fenecidos.

E eu? Eu sou o lobo do homem, uivando pra Lua,

sozinho, vencido.

Vencido, como se soubesse a verdade, mas livre,

Assustadoramente livre.

 

Você acredita em tudo que te mandam,

mas se ofende com tudo o que eu te digo.

Você esquece que a ofensa que vigora

é pura reação, castigo pelo castigo,

sempre em guarda cultivando essa paixão:

o ódio sem razão. Que perigo!

…engendrando o prejulgamento,

a ignorância, a irresponsável precipitação.

A ofensa é o expediente do imbecil.

Sangue e armadilha nos esconderijos do coração!

 

Não basta apenas esperar por leite e mel,

às vezes, pra ser bom, é preciso ser cruel.

O brasileiro é sempre um bonzinho.

Somos o povo mais sorridente do planeta,

esse eterno país da micareta,

apesar dos 50 mil assassinatos produzidos todo ano,

sem precisar de guerra civil nem de terrorista muçulmano.

 

Pelas estatísticas mundiais, para haver guerra civil,

é necessário matar, pelo menos, uns 10 mil.

Uma pechincha comparada ao montante macabro

do nosso número imbatível: 50 mil, 50 mil, 50 mil!

E terrorista? Quem, por aqui, precisa de terrorista?

Terrorista é coisa pra amador.

O Brasil é só para profissionais. O Brasil é o Terror!

O Brasil é o Terror!

 

O Brasil dos estupros consentidos na surdina,

dos superfaturamentos encarados como rotina,

dos desabamentos e enchentes de hora marcada,

dos hospitais públicos em abandono genocida,

dos subsídios da Cultura a artistas consagrados,

dos aeroportos em frangalhos, usuários indigentes,

dos políticos grosseiros, como sempre, subornados,

de cabelo acaju e seus salários indecentes,

da educação sucateada pelo Estado

em sua paralisia ideológica, omissa e incompetente.

 

Do racismo galopante, na internet,

nas universidades e nas ruas,

com as suas manifestações hostis.

Da queima de índios e mendigos,

por meninos bem-nascidos.

Do apedrejamento, vilipêndio e morte

de mulheres, prostitutas e travestis.

 

E lá vamos nós, descendo a ladeira!

Rebolativos, minhóquicos, supersticiosos,

crédulos, inabaláveis, venais…

amantes de uma boa trapaça…

com nossa displicência carnavalesca espetacular

e os repetecos anuais dos feriados enforcados de destruição em massa.

 

E não me venha com essa lenga-lenga do tipo

“não gostou, se manda! vai pr’outro lugar”,

porque eu estou aqui para exterminar:

vossa hiponga modorra, vossa preguiça macunaímica,

vosso caráter vacante, vossa antropofagia cínica,

pois esse lugar também me pertence,

e ninguém vai me calar. Ninguém vai me calar.

 

E nas almas de artistas natimortos

em berço chapa branca e exangue,

ecoam as vozes dos cadáveres insepultos de sempre,

impondo língua morta a se eternizar

numa geração de frouxos engrossando sua gangue.

 

Frouxos, acometidos por

síndrome de dignidade intelectual.

Espalhando o evangelho da Mediocridade

para milhões de populares e estudantes semianalfabetos

com o beneplácito da imprensa oficial.

 

E no cagaço metafísico

das multidões de contritos telerredimidos

brota o pavor da morte, da vida, do sexo,

da doença, da pobreza e do castigo.

Fazendo bispos milionários,

gângsteres do paraíso,

lotearem pedacinhos do firmamento

para histéricos apocalípticos aguardarem

o fim do mundo fora de perigo…

 

Às vezes é mais exato ser impreciso, contradito.

Ser o Terror da próxima edição, a Corrosão, o Maldito

dos jornais que me inventam em manchetes

tentando me silenciar em vão.

Uma pena que nunca me enxergaram,

nem nunca me enxergarão…

É subestimando o inimigo que se perdem as guerras

e, por isso mesmo, agradeço a desatenção.

 

Pois agora é tarde e a Eternidade é Agora.

O brasileiro, com sua autoestima permanentemente precária,

vive adernando entre Ali e Outrora

num orgulho às avessas, que destrói

qualquer possibilidade de enxergarmos

o que verdadeiramente somos,

e isso dói.

 

Uma nação que se recusa terminantemente a crescer,

paralisada por um embevecimento geonarcisista, indolente e servil.

Bem-vindos à Terra do Nunca!

Bem-vindos a essa pocilga chamada Brasil!

 

E eu? Eu sou o Nada,

o Fim da vossa picada,

o Oblívio dos desatentos,

a Ira da reação,

o Exterminador de todos vocês,

bunda-moles de plantão.

 

Muito prazer! É chegada a vossa hora!

Comecem a rebolar como é do vosso feitio,

pois eu voltei para decretar o fim

dessa festa pobre que vocês armaram.

Dessa lambança de favorecimentos e apadrinhamentos

de causar náuseas, vômitos & arrepios,

desse imenso arraial brega, tosco e vazio,

um fim por mim ansiado, premeditado,

e já há muito tempo datado, tardio.

 

Agora, mãos à obra.

Estou na área e vamos começar.

Agora é necessário andar entre os pedestres,

viver as suas banalidades

e convocá-los, enfim, para o desafio

que é o delírio de viver e de voar.

lobão

Lobão

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Uma resposta para Aquarela do Brasil 2.0

  1. Renata Toledo disse:

    O Lobão consegue fazer um protesto, dar uma cuspida na cara profundamente embasada criando ao mesmo tempo arte. Além de ser extremamente inteligente ele tem um domínio sobre a palavra único, uma forma única de expressão. Demais ! Muito Bom!

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